Prof. Dr. Renato Seixas
Resumo: Não é possível forjar identidade cultural única para a América Latina. Desde tempos ancestrais a região experimenta o multiculturalismo. As civilizações pré-colombianas, que realizaram impressionantes projetos de integração regional, precisaram criar sistemas para harmonizar culturas dominantes e culturas locais. Processos semelhantes de mediação simbólica estão em andamento na contemporaneidade.
Abstract: It is not possible to create a unique cultural identity for Latin America. Since ancient times the region has been experiencing multiculturalism. The pre-colombian civilizations, which implemented highly impressive projects of regional integration, needed to create systems to harmonize dominant cultures and local cultures. Similar processes of symbolic mediation are presently in development.
Sumário: Introdução. 1- Desenvolvimento cultural autônomo na América Latina. 2- As primeiras culturas na fase de povoamento das Américas. 3- Identidade cultural nas altas civilizações da América Latina pré-colonial. 4- Geografia e identidade cultural na América Latina. 5- Eliminação da memória coletiva e cultural na América Latina pré-colonial. 6- Aspectos da cosmologia e da cultural das altas civilizações pré-colombianas. Considerações finais.
Introdução
Na literatura de várias áreas de conhecimento tem sido comum encontrar afirmações de que estaria em desenvolvimento processo de homogeneização cultural mundial. Os poderes dominantes ou hegemônicos que controlam a dinâmica das relações globais, especialmente por meio da grande mídia, estariam cada vez mais desintegrando culturas locais e substituindo-as por quadros culturais gerais, homogêneos, baseados em critérios definidos por aqueles poderes e conforme seus interesses. Todavia, muitas e muitas vezes tais afirmações contidas na literatura não correspondem aos fatos do mundo real.
No final da década de 1980 e começo da década de 1990 diversos fatos contribuíram para alterar a ordem internacional estabelecida desde o término da Segunda Guerra Mundial. Houve a queda do muro de Berlim e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se dissolveu. Terminava a Guerra Fria e o mundo perdia sua configuração bipolar de equilíbrio de poder, que vigorara desde o fim da década de 1940. Como única superpotência mundial remanesciam os Estados Unidos da América, que, embora sem poder suficiente para imporem seus interesses ao resto do mundo, não deixam de ser ouvidos em qualquer assunto de relevância internacional (Kennedy, 1989 ). A partir de então, proliferam lutas regionais com caráter de autoafirmação cultural local, nacionalista ou religiosa (Huntington, 1997). De fato, em diversos casos a identidade nacional se mistura e se confunde com a identidade religiosa e, para se autoafirmar, desencadeia lutas caracterizadas pela polarização de uma religião contra outra. É interessante esse fenômeno porque é muito semelhante ao que ocorreu por ocasião do surgimento e consolidação dos Estados nacionais europeus entre os séculos XV e XVII. Na época em que começaram a se formar os Estados nacionais europeus ainda não havia um poder ideológico organizado, minimamente dominante ou hegemônico para mobilizar para a guerra as diversas facções conflitantes. Por isto, as guerras assumiam características de conflitos religiosos, os quais, naquele contexto, simbolizavam as disputas de um poder ideológico contra outro (Chaunu, 1993). Apenas entre o último quarto do século XVII e as duas primeiras décadas do século XIX é que a ideologia Liberalista logrou se impor no ocidente e, então, parte das tradicionais guerras religiosas foi substituída por guerras ideológicas e nacionalistas (Morgenthau, 2003). Marcos importantes dessa fase histórica ocidental foram a independência dos Estados Unidos da América, a Revolução Industrial inglesa, a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas.
Ora, o mundo está se reorganizando em busca de um novo equilíbrio de poder multipolar; proliferam atualmente conflitos e guerras de autoafirmação cultural local, nacional ou religiosa; países estão sendo formados ou dilacerados em decorrência desses conflitos; blocos e coalizões regionais, continentais e mesmo globais estão sendo formados ou consolidados na sociedade internacional com base nas afinidades culturais de seus membros (Huntington, 1997). É evidente, portanto, a importância da identidade cultural (ou da falta dela) implicada nesses fenômenos. Entretanto, mesmo considerada a relevância da identidade cultural, não há na história da humanidade nenhum exemplo de homogeneização identitária. Mesmo com o advento de grandes impérios, como foram o Império Romano e o Império Han, nunca foi possível forjar uma única identidade para todos os povos por eles abrangidos. A identidade cultural imposta por poderes dominantes sempre teve que coexistir com múltiplas identidades locais dos povos submetidos.
Nessas circunstâncias, não podem ser aceitas sem reservas, por exemplo, afirmações correntes no sentido de que a cultura latino-americana estaria sendo substituída pela cultura de Hollywood ou de que, através da grande mídia, haveria imposição irresistível de elementos culturais de países dominantes em face dos povos da América Latina. Efetivamente ocorrem tais fenômenos de manipulação e de imposição cultural, porém todos eles são em grande parte submetidos a complexos processos de mediação simbólica, por meio dos quais cada indivíduo e cada grupo filtram e metabolizam elementos culturais alienígenas, incorporando-os ou não ao quadro geral de referências culturais aquela específica comunidade (Martín-Barbero, 2006).
Diante dessas considerações iniciais e com base em estudos precedentes (Seixas, 2006), este trabalho parte das seguintes hipóteses: 1ª) é impossível efetivar homogeneização cultural plena em qualquer lugar do mundo e, portanto, também na América Latina. Poderosas forças de autoafirmação cultural e identitária são mobilizadas para resistir à tendência de homogeneização cultural desejada por potências dominantes da sociedade internacional. Nos limites deste trabalho não há possibilidade de explorar como essas forças de resistência operam. Essa tarefa foi realizada noutro estudo ao qual se remete o leitor (Seixas, 2008). 2ª) qualquer projeto de integração dos países da América Latina só terá possibilidade de êxito duradouro se contemplar o multiculturalismo e a plurinacionalidade existentes na região. Processos latino-americanos de integração econômica, social ou mesmo política precisam estabelecer de modo claro, democrático e flexível políticas abrangentes do multiculturalismo e da plurinacionalidade acima referidos. Tendo em vista os limites editoriais a que este trabalho tem que se adequar, para testar as hipóteses de pesquisa é imperativo fazer recortes, adiante especificados.
O objeto central deste estudo é investigar se há e como está configurada uma identidade latino-americana, uniforme e compartilhada por todos os povos habitantes da região, ou se, ao contrário, há múltiplas identidades latino-americanas, as quais se transformam continuamente e formam um mosaico cultural na região. As questões fundamentais que este estudo quer examinar são as seguintes:
Existe uma identidade cultural genuinamente latino-americana? Se essa identidade cultural existir, quais seriam os elementos gerais ou particulares de identificação cultural que a caracterizariam? Como os elementos gerais de identificação da cultura ocidental dominante ou hegemônica (européia e norte-americana) coexistiriam com os elementos de identidade cultural da América Latina?
Como primeiro recorte desta pesquisa optou-se por isolar os povos da América Latina de seus contatos com outros povos, especialmente os europeus e os norte-americanos. Por isto, escolheu-se um período da história dos povos pré-colombianos anterior aos descobrimentos europeus. Nesse contexto, os habitantes da hoje chamada América Latina não estavam sob as imposições ou influências culturais de povos alienígenas conquistadores, colonizadores ou imperialistas. O segundo recorte da pesquisa põe foco nas chamadas “altas civilizações pré-colombianas”. Em decorrência da amplitude territorial, do poder, do desenvolvimento cultural, tecnológico e político dessas civilizações, puderam exercer imensa influência sobre os povos que vieram a dominar antes da chegada dos descobridores europeus. Todavia, como se verá no decorrer deste trabalho, nenhuma das altas civilizações pré-colombianas conseguiu forjar uma única cultura, dominante, homogênea. Ao contrário, todas elas precisaram formar alianças com os povos dominados e, em maior ou menor grau, aceitar as especificidades culturais locais de cada um deles. O terceiro recorte da pesquisa limita o estudo às três civilizações pré-colombianas mais desenvolvidas: maia, asteca e inca. Mais uma vez, os limites editoriais definidos para este trabalho não permitem exposição das características de cada uma das três civilizações selecionadas. Tal análise foi realizada noutro trabalho (Seixas, 2006). Aqui serão examinados aspectos gerais comuns às três civilizações estudadas. Por fim, o quarto recorte do estudo diz respeito ao grau de generalização ou de especificidade a ser adotado para examinar o fenômeno da identidade cultural. Para examinar as questões fundamentais apresentadas acima, foi necessário estabelecer certo grau de generalização a respeito da identidade cultural. Optou-se por partir de critérios mais amplos, generalizantes, universalizantes, suficientes para poder abranger o maior número possível de grupos sociais latino-americanos. Somente assim se poderá falar de identidade cultural da ou na América Latina. Portanto, não são objetivos deste trabalho estudar: (i) as especificidades de culturas locais latino-americanas comparadas umas com as outras; e (ii) as especificidades culturais de certas classes sociais em contraste com outras classes dentro do mesmo grupamento social. Noutras palavras, não é objetivo desta pesquisa estudar a identidade cultural da América Latina considerando, por exemplo, se os elementos culturais preponderantes no sertão nordestino brasileiro teriam penetrado na cultura dos povos andinos, ou vice-versa.
Desde logo é bom esclarecer aqui que as expressões “culturas hegemônicas” ou “culturas não hegemônicas” não terão, neste trabalho, a significação específica que Gramsci atribuiu à hegemonia(Bobbio, Mateucci et Pasquino, 2004). Para Gramsci, a hegemonia pressupõe que um certo poder é imposto por um grupo social a outro e, por meio de mecanismos ideológicos, tal imposição aparece como natural e legitimada perante o grupo sujeito àquele poder, que o aceita de modo mais pacífico. Neste trabalho usa-se a palavra “hegemonia” num sentido mais amplo que, em certa medida, contém a significação que lhe foi dada por Gramsci, porém abrange também a situação em que, em certo lugar, momento histórico e contexto, um poder ou elemento cultural prepondera sobre outros poderes ou elementos culturais concorrentes, quer sejam ou não aceitos pelos grupos sociais sujeitos ao poder ou elemento cultural preponderante.
1. Desenvolvimento cultural autônomo na América Latina
Não considerada a fase contemporânea da globalização, a identidade cultural na América Latina apresenta três fases importantes. A primeira diz respeito ao povoamento das Américas, em que grupos diferentes se instalaram na região e desenvolveram suas próprias culturas. Depois, como conseqüência do processo evolutivo da fase anterior, vem a fase das altas civilizações americanas pré-coloniais. Essas duas primeiras fases são importantes porque refletem o desenvolvimento cultural autônomo das Américas, em particular do que viria a ser a América Latina. A literatura adiante referida costuma dizer que as Américas tiveram desenvolvimento cultural autóctone depois que a passagem pelo estreito de Bering foi interrompida, impedindo assim que influências culturais exteriores continuassem a ser transmitidas para o Novo Continente. Isto significa que durante muito tempo os povos americanos desenvolveram sua cultura particular, refletida nas estruturas econômicas, sociais e políticas que cada povo adotava. A terceira fase importante foi a da colonização dos povos americanos pelos europeus. A partir dessa última fase, diversos elementos culturais das civilizações dominantes ou hegemônicas da Europa foram transplantados para a América Latina e Caribe. Ocorreram choques culturais amplos e profundos. A predominância da cultura dos colonizadores é marcante desde então, mas não foi suficiente para eliminar muitos dos elementos culturais indígenas. Por essas razões, sem nenhuma pretensão de narrar a história dos povos americanos em algumas páginas, o desenvolvimento deste estudo procurou acompanhar as três principais fases evolutivas da cultura latino-americana, acima indicadas.
A intenção é destacar alguns elementos culturais de cada uma das fases, na medida em que pareceram pertinentes para os fins deste trabalho. Durante a pesquisa foram examinadas as estruturas culturais, sociais, econômicas e políticas dos povos estudados. Constatou-se que muitos dos elementos culturais da América Latina pré-colonial têm paralelo com outras culturas, especialmente a cultura européia: princípios de organização política do Estado; estrutura social classista; separação entre trabalho intelectual e braçal; sistema produtivo; cobrança de tributos; instrumentos de dominação ideológica, especialmente o uso da religião para esse fim. Na verdade, com base em conhecimentos gerais de História, foi possível constatar que alguns desses elementos culturais são arquetípicos e estão presentes em muitas outras civilizações. Todavia, no caso específico dos povos americanos pré-coloniais, a combinação desses elementos culturais teve a marca local. Mesmo invocando arquétipos, cada um desses povos fez suas próprias narrativas míticas que possibilitaram a coesão interna de sua cultura. Assim, sobre o modelo arquetípico geral, os pré-colombianos imprimiram seus elementos culturais particulares. É óbvio que os limites definidos para a realização deste trabalho não permitem que se faça um rastreamento de todas as culturas e um exame particular e profundo de cada uma delas. Na verdade, o que se quer é apresentar algo como uma fotografia, ou no máximo um “curta metragem” das culturas selecionadas. O fundamental é encontrar elementos culturais com base nos quais se possa reconhecer uma ou mais identidades da América Latina, sempre a partir de graus de generalização.
2. As primeiras culturas na fase de povoamento das Américas
Muitas culturas ancestrais latino-americanas desapareceram ou, no máximo, deixaram alguns traços incorporados em culturas posteriores. Com base em documentação arqueológica, estudiosos estimam que a presença humana nas Américas começou por volta de 50.000 anos atrás. Contingentes humanos teriam migrado da Ásia, atravessado o estreito de Bering, que naquela época estaria congelado e formava uma ponte entre a Ásia e a América do Norte. Essas correntes migratórias chegaram à América do Norte, de onde foram se reproduzindo e se deslocando para a América Central e depois para a América do Sul. Se essa suposição estiver correta, sua conseqüência mais importante seria que, terminada a glaciação e interrompida a passagem pelo estreito de Bering, os povos americanos teriam ficado ilhados e, por isto, teriam desenvolvido culturas autóctones. Por outro lado, há indícios arqueológicos de que contingentes migratórios da Polinésia também teriam chegado por mar em embarcações primitivas. Seja como for, o fato é que esses primeiros povoadores das Américas desenvolveram culturas próprias, vez por outra revelando alguma semelhança com culturas asiáticas e polinésias. Eram inicialmente povos nômades, dedicados à caça e à coleta, eventualmente à pesca. Teriam uma organização de bandos, com lideranças circunstanciais. Muito lentamente iniciaram um processo de fixação de povoamentos e de sedentarização, que passou a ser mais evidente há aproximadamente 10.000 anos atrás, conforme dados arqueológicos disponíveis (Cardoso, 1981).
Em função da característica nômade ou seminômade desses primeiros povoadores americanos, seus constantes deslocamentos em busca de melhores condições de sobrevivência provocaram constantes choques entre os diferentes grupos. Em conseqüência, desde muito cedo os povos americanos convivem com a profunda questão de identidade cultural. Grupos dominantes ou hegemônicos certamente desejavam impor não só o seu poder, mas também a sua cultura aos grupos subjugados. Portanto, o conflito entre culturas dominantes ou hegemônicas e não hegemônicas não é um fenômeno atual na América Latina. Começou há milhares de anos atrás e apresenta a mesma questão central: a luta simbólica de vida ou morte entre culturas que querem se autoafirmar e ter reconhecido o seu valor diante de outra diferente. É claro que os conflitos culturais contemporâneos são muitíssimo mais complexos, profundos e abrangentes do que os conflitos culturais entre alguns povos nômades ancestrais. Porém isto não altera a questão essencial acima indicada. Nesse contexto, é fácil admitir que centenas de culturas surgiram nas Américas. Algumas desapareceram completamente; outras se miscigenaram; e outras mais tiveram seus períodos de dominância ou hegemonia. Quais dessas culturas resgatar para construir uma identidade cultural americana? No caso específico da América Latina, haveria um conjunto de elementos culturais que, reunidos, seriam suficientes para que se possa afirmar: esse é o rosto da América Latina?!
3. Identidade cultural nas altas civilizações da América Latina pré-colonial
A identidade cultural de qualquer grupo social é construída com elementos culturais arquetípicos, híbridos ou dominantes. Todos esses elementos se combinam e se complementam para juntos comporem uma identidade cultural. Por isto, a identidade cultural latino-americana será construída com elementos culturais daquelas três espécies. Terá elementos ancestrais de identificação cultural; terá outros elementos de diversas culturas que precisam coexistir sob certas circunstâncias; terá elementos culturais subjugados por outras culturas em certos momentos; e terá elementos culturais que simbolizarão a auto-afirmação da identidade latino-americana perante culturas rivais.
Atualmente está em pauta a necessidade de afirmação da cultura da América Latina em face de culturas dominantes ou hegemônicas. Então, quais são os elementos de identificação cultural da América Latina que lhe permitirão se autoafirmar em face das culturas concorrentes? É muito simplista tratar essa questão reduzindo-a exclusivamente, ou preponderantemente, a uma oposição ideológica entre capitalismo versus comunismo/socialismo. Tem sido comum na literatura(por exemplo, Peregalli, 1994) afirmar que o passado das civilizações latino-americanas está associado à posse comum dos meios de produção, a um sistema de reciprocidade tributária entre os Estados e as comunidades, etc. A partir do modelo marxista, muitos autores têm pretendido “reconhecer” na América Latina uma vocação inata, intrínseca, para o comunismo e socialismo (Ferreira, 1991). Tal oposição ideológica, tomada isoladamente, não pode ser suficiente para definir a identidade cultural de nenhum povo. Em primeiro lugar, porque os modelos marxistas (como qualquer construção teórica) são ideais e nem sempre encontram exata correspondência na realidade. Apresentam anomalias, portanto. Em segundo lugar, porque as duas ideologias postas em confronto pressupõem elementos de identificação que não são específicos nem para a América Latina nem para qualquer outro povo. Uma sociedade dizer-se capitalista, comunista, socialista não define sua identidade. Chineses, russos, coreanos do norte e alemães orientais eram todos povos que adotaram ideologia e regime produtivo comunista e, no entanto, ninguém se atreveria a dizer que esses povos têm a mesma identidade cultural. Inglaterra e Índia adotam o capitalismo e têm identidades culturais profundamente distintas. Em terceiro lugar, porque no caso específico da América Latina, as civilizações mais adiantadas (maia, asteca e inca) apresentavam traços extremamente contraditórios no que concerne à sua suposta vocação para o comunismo ou para o socialismo. Havia indicações muito fortes da criação de formas diferenciadas de uso dos meios de produção, tendentes à configuração de propriedade privada, ou algo parecido com esta; havia inequívoca organização social em classes, algumas vezes sendo impossível a ascensão social; havia evidências irrefutáveis de exploração de uma classe por outras. Em quarto lugar, porque as estruturas sociais e produtivas das civilizações latino-americanas ancestrais estavam intimamente relacionadas com o fenômeno religioso, que na verdade moldava e justificava aquelas estruturas. Querer interpretar tais estruturas a partir e exclusivamente do materialismo histórico marxista não é suficiente para compreender a complexidade cultural daqueles povos. Assim como não se pode entender e compreender a civilização egípcia ou a muçulmana sem recorrer ao elemento religioso e mítico, também no caso das civilizações latino-americanas pré-coloniais não se pode estudar seu sistema produtivo e sua estrutura social sem relacioná-los com o profundo sentimento religioso daqueles povos. Era a religião que dava coesão às estruturas sociais e produtivas das civilizações latino-americanas pré-coloniais. Tanto isto é verdade que, após a conquista da região pelos colonizadores europeus, bastou desarticular o sistema religioso para esfacelar os sistemas social e produtivo dos povos dominados (Romano, 1989). Em quinto lugar, se fosse verdade que a América Latina inteira teria uma vocação inata para adotar o modelo produtivo comunista ou socialista e ter estruturas sociais correspondentes àquele modelo, teria sido possível para Bolívar realizar a unificação latino-americana no início do século XIX, na medida em que se dispusesse a adotar aquelas estruturas. Bem ao contrário, estão em curso na América Latina diversos processos de integração. Todos esses processos integracionistas avançam com extrema lentidão e muita dificuldade. Isto revela que os elementos de identificação econômica e ideológica não são suficientes para configurar uma identidade cultural universal entre dois ou mais povos e, obviamente, não dão nenhuma identidade própria para a América Latina. Finalmente, em sexto lugar, não se pode desconsiderar que a história da América Latina pré-colonial é a história de lutas incessantes entre seus povos, em disputa por terras e por mão-de-obra obrigada a trabalhar em troca de subsistência e de vida muito humilde. Não se pode dizer que as estruturas sócio-econômicas adotadas, por exemplo, pelos Estados maia, asteca e inca eram boas e justas apenas porque tais estados, muitas vezes apenas em retórica, garantiam aos seus súditos alimentação, vestuário, aposentadoria, educação. O sistema tributário adotado nessas civilizações só poderia ser justificado ideologicamente mediante essas retribuições. Os camponeses, artesãos e soldados comuns viviam apenas com os recursos imprescindíveis para sua subsistência. Dentro do sistema não havia possibilidade alguma de acumularem excedentes para si mesmos. Não podiam enriquecer. Todo o excedente da produção era destinado ao Estado, cujas despesas eram crescentes e obrigavam-no a exigir cada vez mais tributos das classes inferiores. Além disso, a super expansão dos impérios (imperial overstretching) criava a necessidade contínua de obter mais terras a serem cultivadas, para que houvesse maior arrecadação tributária. Esse círculo vicioso provocava infindáveis lutas entre os povos latino-americanos pré-coloniais. Cada um desses povos queria, por um lado, expandir sua dominação ou hegemonia ou, por outro lado, livrar-se da dominação imposta por povo rival. Em qualquer dessas duas situações, não se alteravam as condições de vida dos camponeses e outras classes sociais baixas: continuavam a trabalhar em troca de subsistência; não tinham direito de reter qualquer riqueza material para si mesmos; pagavam tributos cada vez maiores ora a um senhor, ora a outro; eram mantidos afastados da alfabetização e de qualquer forma de educação que pudesse levá-los a questionar o sistema vigente.
Como se vê, não é razoável querer definir a identidade da América Latina recorrendo apenas à oposição ideológica entre capitalismo, comunismo ou socialismo. É claro que em alguma medida esses elementos também são importantes para, em conjunto com outros, compor a identidade cultural de um povo. É preciso, então, procurar identificar quais seriam os outros elementos culturais com base nos quais, adotado certo grau de generalização, seria possível configurar de modo mais estável uma identidade cultural da América Latina.
4. Geografia e identidade cultural na América Latina
A geografia pode não ser absolutamente determinante para a construção de identidades culturais, mas é certo que as influencia significativamente. No caso específico da América Latina, o meio geográfico influenciou de modo evidente a formação e a afirmação de culturas locais, que não foram totalmente eliminadas nem mesmo pelo poderio das altas civilizações maia, asteca e inca.
Na América Latina há quatro grandes regiões, ou subsistemas geográficos (Mello, 1996) que tiveram grande importância no desenvolvimento cultural: a) a América Central e Caribe; b) o subsistema amazônico; c) o subsistema andino; e d) o subsistema platino. Cada um desses subsistemas apresenta subdivisões, como é o caso do subsistema andino, que tem faixas paralelas à Cordilheira dos Andes formando costa litorânea, faixas desérticas ou semi-áridas, escarpas montanhosas e platôs andinos. Nesse subsistema desenvolveram-se as culturas dos povos andinos. Embora esses diferentes povos apresentes traços identitários comuns, cada um deles tem ainda hoje forte sentimento de sua cultura local e específica. Por exemplo, o trançados dos tecidos, suas cores e ocasiões de uso indicam a posição do indivíduo na hierarquia social, seu estado civil, etc. O subsistema amazônico domina grande parte da América Latina. Não se pode atribuir ao meio geográfico caráter determinante de uma cultura específica, porém é impossível negar que a floresta amazônica influencia em grande parte as formas de ocupação humana do território, os sistemas de produção e mesmo a organização social dos povos que nela habitam. No subsistema platino há desertos e geleiras e ali também se desenvolveram culturas específicas que resistem até os dias atuais.
O fato de o ser humano ter notável aptidão para se adaptar a ambientes geográficos variados evidencia que estes interferem na formação da identidade cultural de um povo. Esta diversidade de meios geográficos explica em parte a grande dificuldade com que avançam os processos de integração econômica, política e cultural na América Latina.
5. Eliminação da memória coletiva e cultural na América Latina pré-colonial
A reconstrução da memória coletiva e cultural na América Latina é especialmente difícil por causa da escassez de documentos históricos que revelem elementos culturais dos povos americanos antes da conquista da região pelos colonizadores europeus. Os espanhóis, em especial, ao conquistarem os povos maia, asteca e inca, destruíram templos, palácios, cidades, objetos rituais e de arte, documentos, registros administrativos e contábeis, desenhos, pinturas, painéis narrativos. A destruição desse acervo de documentos e cidades prejudica demais a tentativa de reconstruir de maneira fiel a cultura daquelas civilizações. No caso das culturas dos povos indígenas brasileiros, a situação foi um pouco diferente (Castro, 1992). O colonizador português encontrou indígenas que ainda estavam em fase cultural do período neolítico bem anterior às fases em que estavam os maias, astecas ou incas. Por isto, o índio brasileiro não chegou a construir cidades, palácios, templos e não tinha escrita nem administração de um Estado. Desse modo, a reconstituição do universo cultural do indígena brasileiro é mais fácil, porque muitas comunidades ainda hoje vivem como viviam seus antepassados antes da conlonização lusitana. Isto tem permitido aos antropólogos e sociólogos estudar e compreender o indígena brasileiro com relativa precisão (Lévy-Strauss, 1993). Em qualquer desses casos, a reconstituição do universo cultural dos povos latino-americanos depende, em primeiro lugar, da documentação arqueológica disponível, dos relatos orais colhidos junto aos seus descendentes, em comunidades mais ou menos preservadas, e em documentos históricos posteriores à colonização européia. Entre estes últimos, têm especial importância os documentos denominados “visitações” que, com todas as ressalvas necessárias, dão uma idéia a respeito de vários aspectos culturais dos povos submetidos ao domínio europeu, tais como estrutura social, estrutura econômica, vestuário, hábitos alimentares, festividades, divindades adoradas, rituais religiosos, sistema administrativo, organização política, estado geral de saúde dos povos, tipo de habitação, organização familiar, relação entre população rural e urbana, etc.
6. Aspectos da cosmologia e da cultural das altas civilizações pré-colombianas
Toda e qualquer cultura dotada de um mínimo de organização interna constrói sistemas explicativos do mundo, criando modelos de conduta que devem ser seguidos e obedecidos pelos indivíduos e pelo grupo social. São esses sistemas e estruturas que dão sentido e coesão à sociedade. Em síntese, a produção e sistematização de uma cosmologia social é imprescindível para o funcionamento e para a reprodução mental e material de qualquer sociedade. No caso específico das chamadas “altas culturas” pré-coloniais centro e sul-americanas, e mesmo naquelas culturas americanas que não chegaram a alcançar esse estágio de organização cultural, as narrativas do imaginário social assumiram enorme importância. A sistematização cultural não era apenas uma forma de conhecimento abstrato. Ao contrário, as narrativas míticas e simbólicas faziam parte do cotidiano desses povos porque estavam intimamente associadas a todo o sistema produtivo e às estruturas e instituições sociais. Todos esses povos americanos viviam fundamentalmente da produção agrícola. Conhecer e prever os fenômenos da natureza era, portanto, absolutamente essencial para sua sobrevivência e reprodução. Tal necessidade os levou – pela prática e pela observação cuidadosa dos fatos da natureza – a constatar a correlação muito estreita entre os movimentos dos corpos celestes e a ordem e o ritmo dos fatos da natureza, em especial a sucessão das estações do ano, os períodos de chuva, o movimento das marés, etc. Com base nesses conhecimentos, foi possível ao homem americano adaptar suas forças produtivas às exigências da natureza. Nesse contexto, o trabalho de identificação, compreensão e organização dos movimentos dos corpos celestes e de sua relação com a produção agrícola tornou-se cada vez mais complexo e especializado. Essa atividade deu origem a uma classe sacerdotal, cada vez mais especializada em identificar e interpretar a vontade divina comunicada aos humanos por meio das estrelas, do Sol e da Lua. Para que essa missão dos sacerdotes fosse adequadamente realizada, centros cerimoniais foram construídos tanto para o culto às divindades como para permitir melhor observação do céu. Conseqüentemente, também se tornou necessário criar uma burocracia a serviço desses centros cerimoniais e, logo depois, com o crescimento dos centros urbanos, teve que surgir uma burocracia administrativa. Os movimentos migratórios dos povos americanos geraram conflitos: primeiro, entre grupos nômades e sedentários; depois, entre grupos sedentários que disputavam entre si terras férteis. Daí a necessidade da criação e manutenção de uma classe de guerreiros em cada sociedade. Os favores e a proteção das divindades eram, pois, preocupação constante na vida cotidiana dos povos americanos. Por isto, a força das narrativas simbólicas entre eles era muito significativa (Soustelle, 1997). A concepção cosmogênica de cada um desses povos era expressa e traduzida por meio não só das narrativas, mas da prática ritual observada em diversos momentos do dia. Em todas as civilizações americanas pré-coloniais havia estruturas sociais de classes bem nítidas. A base social era composta por grande número de camponeses que, com seu trabalho e por meio do pagamento dos tributos, sustentavam todas as demais classes improdutivas. Essas estruturas sociais eram profundamente justificadas e legitimadas por meio da religião e, sobretudo, por mecanismos que impediam os camponeses e as classes inferiores de acumularem qualquer tipo de poder: não recebiam educação que lhes permitisse criticar os fundamentos do sistema; não podiam acumular qualquer riqueza material; não tinham outras formas de se fazerem representar perante os poderes dominantes ou hegemônicos a não ser através das pessoas que as classes dominantes indicavam, as quais, por sua vez, tinham inequívoco interesse na manutenção do sistema. Cabe aqui observar que todas as civilizações americanas pré-coloniais baseavam-se preponderantemente na cultura do milho, que foi iniciada provavelmente pelos maias e depois se espalhou por toda a América Central e a América do Sul. Por isto, para tais civilizações, o milho tinha o mesmo significado simbólico e sagrado que têm o trigo e o pão para as civilizações cristãs, por exemplo.
Enfim, de modo geral, as altas civilizações pré-colombianas compartilhavam as mesmas concepções cosmogênicas; cultuavam mais ou menos as mesmas divindades (apesar das designações diferentes com que se referiam a estas); seguiam os mesmos princípios religiosos, adotavam o mesmo sistema produtivo e econômico; tinham estruturas sociais praticamente idênticas; com algumas especificidades, administravam seus territórios com base nos mesmos princípios e técnicas; apresentavam graus de desenvolvimento tecnológico muitíssimo semelhantes; cada uma delas acreditava-se escolhida pelos deuses para cumprir uma missão civilizatória dos povos que subjugavam. Mesmo com tantos traços identitários em comum, nenhuma dessas civilizações pré-colombianas consegui impor às demais uma única cultura homogênea e aceita por todos sua própria identidade cultural. O Império Inca, única civilização pré-colombiana que de modo apropriado merece a designação de império, jamais logrou impor totalmente sua cultura aos povos que dominou.
De fato, os incas conseguiram formar um Estado fortemente centralizado e bem administrado, dotado de aparelhamento político, militar, religioso e cultural organizado de modo a manter sob sua autoridade os povos submetidos. Além disto, foi também a única civilização americana que expandiu seu território a ponto de abranger, pelo menos em parte, os três subsistemas geopolíticos que caracterizam a América do Sul: o subsistema amazônico, o subsistema andino e o subsistema platino. O Império inca abrangeu grande parte da zona costeira do Oceano Pacífico, da Cordilheira dos Andes e da floresta amazônica (na porção não brasileira), absorvendo significativas porções dos territórios hoje ocupados pela Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Argentina e Chile. Em cada um desses subsistemas geopolíticos há subdivisões internas, decorrentes de alterações no meio geográfico, às vezes drásticas. Por exemplo, na parte peruana do Império inca, a civilização se espalhou pelo litoral costeiro do Oceano Pacífico, escalou a Cordilheira dos Andes e penetrou em parte da floresta amazônica. Mas a tendência do Império inca foi a de acompanhar o trajeto da Cordilheira dos Andes, ao longo da qual a geografia dispõe o ambiente em faixas litorânea (às vezes entremeada de desertos ou zonas áridas), montanhosa e de floresta tropical. Essas faixas são freqüentemente cortadas por vales transversais. As características geográficas encontradas influenciaram a formação de povoados relativamente isolados uns dos outros e, mais tarde, comunidades com traços nítidos de cidades-estado, dotadas de forte sentimento de identidade local. Por isso, é realmente admirável o projeto de unificação imperial levado a cabo pelos incas, que conseguiram ser criativos para, por um lado, impor sua dominação a essas comunidades locais e, por outro lado, assegurar que tais comunidades não perdessem seu próprio senso de identidade e, assim, aceitassem de modo relativamente pacífico e duradouro o domínio inca. A herança cultural e administrativa que os incas receberam dos huaris, tihuanacos e mochicas certamente lhes facilitou o projeto imperial. Esse fenômeno não foi possível nas civilizações maia e asteca.
A célula fundamental do Império Inca era formada pelas comunidades camponesas, denominadas ayllus (Favre, 1985). Nessas comunidades a coesão social era determinada por vínculos sanguíneos, dos quais resultavam diferentes graus de parentesco, e também pela crença dos camponeses de que todos eles descendiam dos mesmos ancestrais míticos. Assim, a justificativa ideológica para a dominação inca se baseava exatamente no parentesco de antepassados míticos divinos, cuja vontade ancestral se materializou na formação de um grande império. Nessas condições, os incas criaram e mantiveram um império centralizado que absorvia milhões de pessoas, impuseram uma língua e uma religião comuns a esses povos (mas tolerando os línguas maternas e os cultos locais). Os métodos dos incas para realizar esse grandioso projeto foram variados, mas envolveram formas generalizadas de violência. Uma das formas mais freqüentes de imposição da dominação, chamada mitamáes, consistia em dividir os povos indóceis e deslocá-los de suas regiões de origem para fixá-los em locais distantes. Com esse procedimento, os incas, rompiam os laços de parentesco, de religião e de identidade local que uniam os rebeldes, tornando muito mais eficaz o sistema de dominação. Outra técnica freqüente de dominação usada pelos incas era a manutenção de reféns, inclusive múmias dos nobres e sacerdotes dos povos dominados. Capturavam as múmias, os líderes e seus familiares de uma comunidade e os mantinham como reféns na capital do Império. Isto assegurava a colaboração da comunidade dominada, temerosa de que seus antepassados mumificados, líderes e sacerdotes não mais retornassem, o que significava, na prática, interromper o diálogo entre os homens comuns e os deuses, pois esse diálogo era intermediado pelos entes mumificados, pelos líderes e sacerdotes de cada comunidade. Uma variação dessa técnica era manter como reféns dos incas apenas os filhos dos nobres da comunidade dominada. Esses reféns seriam educados em escolas incas, a fim assimilarem a cultura inca e reproduzi-la posteriormente nas suas comunidades de origem, para as quais retornavam como novos líderes ou novos sacerdotes (Peragalli, 1994). Acrescente-se a tudo isto o fato de que os incas criaram inúmeras vias de comunicação e estradas que ligavam todas as regiões do Império. Essas vias e estradas eram percorridas rapidamente por mensageiros (chasquis), que tornavam muito eficiente o sistema de comunicação e de troca de informações entre o governo central e as demais regiões dominadas pelos incas.
Para obter a máxima eficiência da estrutura produtiva de seu Império, os incas adotaram duas medidas muito importantes: em primeiro lugar, permitiram que as comunidades locais mantivessem seus cultos religiosos e suas próprias divindades, mas incorporaram naquelas comunidades o culto às divindades incas; em segundo lugar, os incas mantiveram a autoridade e o prestígio do chefe de cada ayllu, o qual, por sua vez, em troca da preservação de seu status, devia fidelidade ao Estado Inca. Formou-se, portanto, uma complexa e delicada rede de alianças entre os líderes de cada ayllu e o Estado Inca: este, em geral, não abolia os privilégios desses líderes locais, mas exigia deles que trabalhassem em favor da difusão e realização dos interesses incas perante a comunidade local. Por conseguinte, no plano ideológico, o pagamento de tributos pela comunidade ao Estado Inca aparecia como legítimo, porque intermediado pelo chefe do ayllu e porque associado a um sistema de reciprocidade garantido pelos incas.
Assim como no Império Inca, também nas civilizações maia e asteca a expansão baseou-se, num primeiro momento, no poderio militar. Mas a manutenção e expansão dessas civilizações realmente dependeu dos mecanismos ideológicos e culturais de controle dos povos submetidos. O sistema de dominação envolvia mecanismos de cooptação dos líderes locais, bem como mecanismos de persuasão da comunidade para aceitar consensualmente a hegemonia dos dominadores e pagar os tributos devidos sem grande resistência. Portanto, o hard power era substituído ou apoiado pelo soft power, no sentido que Joseph Nye usa esses termos atualmente (Nye, 2002).
Um último aspecto cultural comum entre os incas, astecas e maias e que merece registro é o caráter autárquico de suas economias. Todas essas civilizações apoiavam-se num sistema econômico fechado ao comércio exterior. Eram civilizações com economia predominantemente agrícola. Havia pouca atividade comercial entre os diferentes povos. Cada comunidade tendia a produzir tudo o que precisava, de tal modo que não havia condições favoráveis ao comércio em larga escala. Além disso, como foi comentado, os camponeses não acumulavam excedentes econômicos para si, razão pela qual os lucros comerciais tendiam a ser pequenos. Apenas os maias superaram em parte essas deficiências e constituíram uma verdadeira classe de comerciantes.
Considerações finais
Não têm fundamento razoável os discursos acadêmicos e políticos atualmente correntes, no sentido de que a América Latina estaria sendo vítima da supressão de sua identidade cultural em razão da imposição da cultura de outros povos dominantes da sociedade internacional. Esse tipo de homogeneização cultural jamais aconteceu na história da humanidade e nem tem possibilidade de acontecer especificamente na América Latina. É oportuno retomar as indagações fundamentais que motivaram este estudo:
Existe uma identidade cultural genuinamente latino-americana? Se essa identidade cultural existir, quais seriam os elementos gerais ou particulares de identificação cultural que a caracterizariam? Como os elementos gerais de identificação da cultura ocidental dominante ou hegemônica (européia e norte-americana) coexistiriam com os elementos de identidade cultural da América Latina?
Neste trabalho foi dito que o desenvolvimento cultural da América Latina ocorreu em três principais fases: a do povoamento das Américas; a de formação e apogeu das altas culturas pré-colombianas; e a fase de formação da cultura colonial na região e de seus principais desdobramentos. As duas primeiras fases apresentaram elementos culturais desenvolvidos pelos povos americanos de modo autóctone, pois estavam em estado de isolamento em relação a outras civilizações. No entanto, as estruturas econômicas, sociais, políticas desses povos revelam elementos culturais comuns a outras civilizações e povos não americanos, indicando importante influência de arquétipos culturais também na América Latina. Apesar disto, os povos e civilizações pré-coloniais imprimiram suas marcas nessas estruturas, conciliando ao longo de muitos séculos os elementos culturais arquetípicos com os elementos das culturas locais. Na terceira fase, isto é, quando elementos da cultura européia foram introduzidos rapidamente no universo cultural dos povos indígenas latino-americanos, ocorreram drásticos choques culturais, em que a dominação ou hegemonia cultural da Europa prevaleceu. Todavia, subsistiram alguns fortes elementos culturais indígenas das fases anteriores à colonização.
A análise desenvolvida evidenciou que o problema de choques culturais na América Latina é verdadeiramente ancestral. Desde que as Américas começaram a ser povoadas, grupos humanos persistentemente entram em confrontos uns com os outros. Quaisquer que sejam os motivos desses infindáveis confrontos, em todos eles há uma constante: uma cultura pretende ter hegemonia sobre a cultura rival e ambas lutam buscando o reconhecimento de seu valor e querem se autoafirmar perante culturas rivais. Portanto, falar em identidade cultural latino-americana obriga o pesquisador, em maior ou menor grau, a revolver esse gigantesco mosaico cultural. Minha percepção é de que a cultura na América Latina (claro que noutras partes do mundo também) se assemelha a uma rocha sedimentar. Há camadas culturais muito antigas, às quais se sobrepõem camadas culturais mais recentes, de modo que as vejo “empilhadas” conforme sua ordem de antiguidade e da dominação ou hegemonia que cada qual conseguiu ter em certo momento histórico. Mas em alguns pontos essa rocha sedimentar está partida e, então, é possível enxergar perfeitamente os restos ou “cacos” de culturas antigas que afloram e põem-se em contato com as camadas culturais mais atuais. Ao revolver esse “entulho”, ficamos procurando onde encaixar o “caco” perdido, conforme o colorido dos seus traços sedimentares. Ao realizar essa tentativa de encaixar a peça cultural perdida, é possível observar que há muitos pedaços da rocha sedimentar cultural em que o caco poderia encontrar seu lugar. A rocha cultural, enfim, tem uma composição mais ou menos uniforme, ainda que suas diferentes camadas tenham sido formadas com materiais distintos. Mas é exatamente a combinação de todos esses materiais que dá coesão, consistência, solidez a essa rocha cultural. Mesmo com uma fratura aqui ou ali, o caco cultural pode ser reintegrado à rocha sedimentar cultural, porque é parte dela.
Por esses motivos, não se pode falar de uma identidade da ou na América Latina. A região é um mosaico multidimensional e multicolorido de culturas que se articulam, que têm muitos traços identitários comuns, mas que não abdicam de seus fortes sentimentos de pertencimento a culturas locais bem caracterizadas. Como outras partes do mundo, também a América Latina é multicultural e plurinacional. É de fato impossível pretender a homogneização cultural latino-americana. Os processos de integração que estão em curso na América Latina precisarão contemplar o multiculturalismo e a plurinacionalidade da região. Os processos de mediação simbólica, cultural, na América Latina se desenvolvem desde tempos ancestrais. Continuarão a ocorrer na contemporaneidade, obviamente com maior complexidade e velocidades. No entanto, as as culturas locais dispõem de mecanismos internos mais ou menos eficientes para que não se desintegrem totalmente. Isto faz parte do processo dialético de autoafirmação cultural quando ocorrem os choques entre culturas locais e cultura global. O processo global de integração cultural, que tende a homogeneizar culturas, é o mesmo que, paradoxalmente, acentua as diferenças culturais. Trata-se de processo dialético que envolve a alteridade global-local para construir, reconstruir, transformar, diluir ou miscigenar a identidade cultural do indivíduo e da própria sociedade, hoje de escala planetária (Seixas, 2008).
Mesmo que esteja em curso um amplo e profundo processo de choques culturais provocados pela globalização (Huntington, 1997), esses sedimentos culturais irão se acomodar numa nova camada da grande rocha cultural. Alguns elementos da cultura dominante ou hegemônica vão prevalecer e ficar em sedimentos mais aparentes; alguns elementos das culturas não hegemônicas também vão prevalecer e ocupar o seu lugar na nova camada sedimentar da rocha cultural; finalmente, noutros casos, os materiais orgânicos de que são formadas as culturas dominantes ou hegemônicas e as não hegemônicas vão se misturar e, assim, formarão uma nova substância que se acomodará no seu espaço para formar a atual camada da rocha sedimentar cultural. E, tendo eu aprendido com os maias, com os astecas, com os incas e com os índios brasileiros, estou consciente de que o nosso ciclo também vai terminar. Depois dele, uma nova camada cultural será depositada na rocha que sustenta todas as civilizações …
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Resumo: Não é possível forjar identidade cultural única para a América Latina. Desde tempos ancestrais a região experimenta o multiculturalismo. As civilizações pré-colombianas, que realizaram impressionantes projetos de integração regional, precisaram criar sistemas para harmonizar culturas dominantes e culturas locais. Processos semelhantes de mediação simbólica estão em andamento na contemporaneidade.
Abstract: It is not possible to create a unique cultural identity for Latin America. Since ancient times the region has been experiencing multiculturalism. The pre-colombian civilizations, which implemented highly impressive projects of regional integration, needed to create systems to harmonize dominant cultures and local cultures. Similar processes of symbolic mediation are presently in development.
Sumário: Introdução. 1- Desenvolvimento cultural autônomo na América Latina. 2- As primeiras culturas na fase de povoamento das Américas. 3- Identidade cultural nas altas civilizações da América Latina pré-colonial. 4- Geografia e identidade cultural na América Latina. 5- Eliminação da memória coletiva e cultural na América Latina pré-colonial. 6- Aspectos da cosmologia e da cultural das altas civilizações pré-colombianas. Considerações finais.
Introdução
Na literatura de várias áreas de conhecimento tem sido comum encontrar afirmações de que estaria em desenvolvimento processo de homogeneização cultural mundial. Os poderes dominantes ou hegemônicos que controlam a dinâmica das relações globais, especialmente por meio da grande mídia, estariam cada vez mais desintegrando culturas locais e substituindo-as por quadros culturais gerais, homogêneos, baseados em critérios definidos por aqueles poderes e conforme seus interesses. Todavia, muitas e muitas vezes tais afirmações contidas na literatura não correspondem aos fatos do mundo real.
No final da década de 1980 e começo da década de 1990 diversos fatos contribuíram para alterar a ordem internacional estabelecida desde o término da Segunda Guerra Mundial. Houve a queda do muro de Berlim e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se dissolveu. Terminava a Guerra Fria e o mundo perdia sua configuração bipolar de equilíbrio de poder, que vigorara desde o fim da década de 1940. Como única superpotência mundial remanesciam os Estados Unidos da América, que, embora sem poder suficiente para imporem seus interesses ao resto do mundo, não deixam de ser ouvidos em qualquer assunto de relevância internacional (Kennedy, 1989 ). A partir de então, proliferam lutas regionais com caráter de autoafirmação cultural local, nacionalista ou religiosa (Huntington, 1997). De fato, em diversos casos a identidade nacional se mistura e se confunde com a identidade religiosa e, para se autoafirmar, desencadeia lutas caracterizadas pela polarização de uma religião contra outra. É interessante esse fenômeno porque é muito semelhante ao que ocorreu por ocasião do surgimento e consolidação dos Estados nacionais europeus entre os séculos XV e XVII. Na época em que começaram a se formar os Estados nacionais europeus ainda não havia um poder ideológico organizado, minimamente dominante ou hegemônico para mobilizar para a guerra as diversas facções conflitantes. Por isto, as guerras assumiam características de conflitos religiosos, os quais, naquele contexto, simbolizavam as disputas de um poder ideológico contra outro (Chaunu, 1993). Apenas entre o último quarto do século XVII e as duas primeiras décadas do século XIX é que a ideologia Liberalista logrou se impor no ocidente e, então, parte das tradicionais guerras religiosas foi substituída por guerras ideológicas e nacionalistas (Morgenthau, 2003). Marcos importantes dessa fase histórica ocidental foram a independência dos Estados Unidos da América, a Revolução Industrial inglesa, a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas.
Ora, o mundo está se reorganizando em busca de um novo equilíbrio de poder multipolar; proliferam atualmente conflitos e guerras de autoafirmação cultural local, nacional ou religiosa; países estão sendo formados ou dilacerados em decorrência desses conflitos; blocos e coalizões regionais, continentais e mesmo globais estão sendo formados ou consolidados na sociedade internacional com base nas afinidades culturais de seus membros (Huntington, 1997). É evidente, portanto, a importância da identidade cultural (ou da falta dela) implicada nesses fenômenos. Entretanto, mesmo considerada a relevância da identidade cultural, não há na história da humanidade nenhum exemplo de homogeneização identitária. Mesmo com o advento de grandes impérios, como foram o Império Romano e o Império Han, nunca foi possível forjar uma única identidade para todos os povos por eles abrangidos. A identidade cultural imposta por poderes dominantes sempre teve que coexistir com múltiplas identidades locais dos povos submetidos.
Nessas circunstâncias, não podem ser aceitas sem reservas, por exemplo, afirmações correntes no sentido de que a cultura latino-americana estaria sendo substituída pela cultura de Hollywood ou de que, através da grande mídia, haveria imposição irresistível de elementos culturais de países dominantes em face dos povos da América Latina. Efetivamente ocorrem tais fenômenos de manipulação e de imposição cultural, porém todos eles são em grande parte submetidos a complexos processos de mediação simbólica, por meio dos quais cada indivíduo e cada grupo filtram e metabolizam elementos culturais alienígenas, incorporando-os ou não ao quadro geral de referências culturais aquela específica comunidade (Martín-Barbero, 2006).
Diante dessas considerações iniciais e com base em estudos precedentes (Seixas, 2006), este trabalho parte das seguintes hipóteses: 1ª) é impossível efetivar homogeneização cultural plena em qualquer lugar do mundo e, portanto, também na América Latina. Poderosas forças de autoafirmação cultural e identitária são mobilizadas para resistir à tendência de homogeneização cultural desejada por potências dominantes da sociedade internacional. Nos limites deste trabalho não há possibilidade de explorar como essas forças de resistência operam. Essa tarefa foi realizada noutro estudo ao qual se remete o leitor (Seixas, 2008). 2ª) qualquer projeto de integração dos países da América Latina só terá possibilidade de êxito duradouro se contemplar o multiculturalismo e a plurinacionalidade existentes na região. Processos latino-americanos de integração econômica, social ou mesmo política precisam estabelecer de modo claro, democrático e flexível políticas abrangentes do multiculturalismo e da plurinacionalidade acima referidos. Tendo em vista os limites editoriais a que este trabalho tem que se adequar, para testar as hipóteses de pesquisa é imperativo fazer recortes, adiante especificados.
O objeto central deste estudo é investigar se há e como está configurada uma identidade latino-americana, uniforme e compartilhada por todos os povos habitantes da região, ou se, ao contrário, há múltiplas identidades latino-americanas, as quais se transformam continuamente e formam um mosaico cultural na região. As questões fundamentais que este estudo quer examinar são as seguintes:
Existe uma identidade cultural genuinamente latino-americana? Se essa identidade cultural existir, quais seriam os elementos gerais ou particulares de identificação cultural que a caracterizariam? Como os elementos gerais de identificação da cultura ocidental dominante ou hegemônica (européia e norte-americana) coexistiriam com os elementos de identidade cultural da América Latina?
Como primeiro recorte desta pesquisa optou-se por isolar os povos da América Latina de seus contatos com outros povos, especialmente os europeus e os norte-americanos. Por isto, escolheu-se um período da história dos povos pré-colombianos anterior aos descobrimentos europeus. Nesse contexto, os habitantes da hoje chamada América Latina não estavam sob as imposições ou influências culturais de povos alienígenas conquistadores, colonizadores ou imperialistas. O segundo recorte da pesquisa põe foco nas chamadas “altas civilizações pré-colombianas”. Em decorrência da amplitude territorial, do poder, do desenvolvimento cultural, tecnológico e político dessas civilizações, puderam exercer imensa influência sobre os povos que vieram a dominar antes da chegada dos descobridores europeus. Todavia, como se verá no decorrer deste trabalho, nenhuma das altas civilizações pré-colombianas conseguiu forjar uma única cultura, dominante, homogênea. Ao contrário, todas elas precisaram formar alianças com os povos dominados e, em maior ou menor grau, aceitar as especificidades culturais locais de cada um deles. O terceiro recorte da pesquisa limita o estudo às três civilizações pré-colombianas mais desenvolvidas: maia, asteca e inca. Mais uma vez, os limites editoriais definidos para este trabalho não permitem exposição das características de cada uma das três civilizações selecionadas. Tal análise foi realizada noutro trabalho (Seixas, 2006). Aqui serão examinados aspectos gerais comuns às três civilizações estudadas. Por fim, o quarto recorte do estudo diz respeito ao grau de generalização ou de especificidade a ser adotado para examinar o fenômeno da identidade cultural. Para examinar as questões fundamentais apresentadas acima, foi necessário estabelecer certo grau de generalização a respeito da identidade cultural. Optou-se por partir de critérios mais amplos, generalizantes, universalizantes, suficientes para poder abranger o maior número possível de grupos sociais latino-americanos. Somente assim se poderá falar de identidade cultural da ou na América Latina. Portanto, não são objetivos deste trabalho estudar: (i) as especificidades de culturas locais latino-americanas comparadas umas com as outras; e (ii) as especificidades culturais de certas classes sociais em contraste com outras classes dentro do mesmo grupamento social. Noutras palavras, não é objetivo desta pesquisa estudar a identidade cultural da América Latina considerando, por exemplo, se os elementos culturais preponderantes no sertão nordestino brasileiro teriam penetrado na cultura dos povos andinos, ou vice-versa.
Desde logo é bom esclarecer aqui que as expressões “culturas hegemônicas” ou “culturas não hegemônicas” não terão, neste trabalho, a significação específica que Gramsci atribuiu à hegemonia(Bobbio, Mateucci et Pasquino, 2004). Para Gramsci, a hegemonia pressupõe que um certo poder é imposto por um grupo social a outro e, por meio de mecanismos ideológicos, tal imposição aparece como natural e legitimada perante o grupo sujeito àquele poder, que o aceita de modo mais pacífico. Neste trabalho usa-se a palavra “hegemonia” num sentido mais amplo que, em certa medida, contém a significação que lhe foi dada por Gramsci, porém abrange também a situação em que, em certo lugar, momento histórico e contexto, um poder ou elemento cultural prepondera sobre outros poderes ou elementos culturais concorrentes, quer sejam ou não aceitos pelos grupos sociais sujeitos ao poder ou elemento cultural preponderante.
1. Desenvolvimento cultural autônomo na América Latina
Não considerada a fase contemporânea da globalização, a identidade cultural na América Latina apresenta três fases importantes. A primeira diz respeito ao povoamento das Américas, em que grupos diferentes se instalaram na região e desenvolveram suas próprias culturas. Depois, como conseqüência do processo evolutivo da fase anterior, vem a fase das altas civilizações americanas pré-coloniais. Essas duas primeiras fases são importantes porque refletem o desenvolvimento cultural autônomo das Américas, em particular do que viria a ser a América Latina. A literatura adiante referida costuma dizer que as Américas tiveram desenvolvimento cultural autóctone depois que a passagem pelo estreito de Bering foi interrompida, impedindo assim que influências culturais exteriores continuassem a ser transmitidas para o Novo Continente. Isto significa que durante muito tempo os povos americanos desenvolveram sua cultura particular, refletida nas estruturas econômicas, sociais e políticas que cada povo adotava. A terceira fase importante foi a da colonização dos povos americanos pelos europeus. A partir dessa última fase, diversos elementos culturais das civilizações dominantes ou hegemônicas da Europa foram transplantados para a América Latina e Caribe. Ocorreram choques culturais amplos e profundos. A predominância da cultura dos colonizadores é marcante desde então, mas não foi suficiente para eliminar muitos dos elementos culturais indígenas. Por essas razões, sem nenhuma pretensão de narrar a história dos povos americanos em algumas páginas, o desenvolvimento deste estudo procurou acompanhar as três principais fases evolutivas da cultura latino-americana, acima indicadas.
A intenção é destacar alguns elementos culturais de cada uma das fases, na medida em que pareceram pertinentes para os fins deste trabalho. Durante a pesquisa foram examinadas as estruturas culturais, sociais, econômicas e políticas dos povos estudados. Constatou-se que muitos dos elementos culturais da América Latina pré-colonial têm paralelo com outras culturas, especialmente a cultura européia: princípios de organização política do Estado; estrutura social classista; separação entre trabalho intelectual e braçal; sistema produtivo; cobrança de tributos; instrumentos de dominação ideológica, especialmente o uso da religião para esse fim. Na verdade, com base em conhecimentos gerais de História, foi possível constatar que alguns desses elementos culturais são arquetípicos e estão presentes em muitas outras civilizações. Todavia, no caso específico dos povos americanos pré-coloniais, a combinação desses elementos culturais teve a marca local. Mesmo invocando arquétipos, cada um desses povos fez suas próprias narrativas míticas que possibilitaram a coesão interna de sua cultura. Assim, sobre o modelo arquetípico geral, os pré-colombianos imprimiram seus elementos culturais particulares. É óbvio que os limites definidos para a realização deste trabalho não permitem que se faça um rastreamento de todas as culturas e um exame particular e profundo de cada uma delas. Na verdade, o que se quer é apresentar algo como uma fotografia, ou no máximo um “curta metragem” das culturas selecionadas. O fundamental é encontrar elementos culturais com base nos quais se possa reconhecer uma ou mais identidades da América Latina, sempre a partir de graus de generalização.
2. As primeiras culturas na fase de povoamento das Américas
Muitas culturas ancestrais latino-americanas desapareceram ou, no máximo, deixaram alguns traços incorporados em culturas posteriores. Com base em documentação arqueológica, estudiosos estimam que a presença humana nas Américas começou por volta de 50.000 anos atrás. Contingentes humanos teriam migrado da Ásia, atravessado o estreito de Bering, que naquela época estaria congelado e formava uma ponte entre a Ásia e a América do Norte. Essas correntes migratórias chegaram à América do Norte, de onde foram se reproduzindo e se deslocando para a América Central e depois para a América do Sul. Se essa suposição estiver correta, sua conseqüência mais importante seria que, terminada a glaciação e interrompida a passagem pelo estreito de Bering, os povos americanos teriam ficado ilhados e, por isto, teriam desenvolvido culturas autóctones. Por outro lado, há indícios arqueológicos de que contingentes migratórios da Polinésia também teriam chegado por mar em embarcações primitivas. Seja como for, o fato é que esses primeiros povoadores das Américas desenvolveram culturas próprias, vez por outra revelando alguma semelhança com culturas asiáticas e polinésias. Eram inicialmente povos nômades, dedicados à caça e à coleta, eventualmente à pesca. Teriam uma organização de bandos, com lideranças circunstanciais. Muito lentamente iniciaram um processo de fixação de povoamentos e de sedentarização, que passou a ser mais evidente há aproximadamente 10.000 anos atrás, conforme dados arqueológicos disponíveis (Cardoso, 1981).
Em função da característica nômade ou seminômade desses primeiros povoadores americanos, seus constantes deslocamentos em busca de melhores condições de sobrevivência provocaram constantes choques entre os diferentes grupos. Em conseqüência, desde muito cedo os povos americanos convivem com a profunda questão de identidade cultural. Grupos dominantes ou hegemônicos certamente desejavam impor não só o seu poder, mas também a sua cultura aos grupos subjugados. Portanto, o conflito entre culturas dominantes ou hegemônicas e não hegemônicas não é um fenômeno atual na América Latina. Começou há milhares de anos atrás e apresenta a mesma questão central: a luta simbólica de vida ou morte entre culturas que querem se autoafirmar e ter reconhecido o seu valor diante de outra diferente. É claro que os conflitos culturais contemporâneos são muitíssimo mais complexos, profundos e abrangentes do que os conflitos culturais entre alguns povos nômades ancestrais. Porém isto não altera a questão essencial acima indicada. Nesse contexto, é fácil admitir que centenas de culturas surgiram nas Américas. Algumas desapareceram completamente; outras se miscigenaram; e outras mais tiveram seus períodos de dominância ou hegemonia. Quais dessas culturas resgatar para construir uma identidade cultural americana? No caso específico da América Latina, haveria um conjunto de elementos culturais que, reunidos, seriam suficientes para que se possa afirmar: esse é o rosto da América Latina?!
3. Identidade cultural nas altas civilizações da América Latina pré-colonial
A identidade cultural de qualquer grupo social é construída com elementos culturais arquetípicos, híbridos ou dominantes.[1] Todos esses elementos se combinam e se complementam para juntos comporem uma identidade cultural. Por isto, a identidade cultural latino-americana será construída com elementos culturais daquelas três espécies. Terá elementos ancestrais de identificação cultural; terá outros elementos de diversas culturas que precisam coexistir sob certas circunstâncias; terá elementos culturais subjugados por outras culturas em certos momentos; e terá elementos culturais que simbolizarão a auto-afirmação da identidade latino-americana perante culturas rivais.
Atualmente está em pauta a necessidade de afirmação da cultura da América Latina em face de culturas dominantes ou hegemônicas. Então, quais são os elementos de identificação cultural da América Latina que lhe permitirão se autoafirmar em face das culturas concorrentes? É muito simplista tratar essa questão reduzindo-a exclusivamente, ou preponderantemente, a uma oposição ideológica entre capitalismo versus comunismo/socialismo. Tem sido comum na literatura(por exemplo, Peregalli, 1994) afirmar que o passado das civilizações latino-americanas está associado à posse comum dos meios de produção, a um sistema de reciprocidade tributária entre os Estados e as comunidades, etc. A partir do modelo marxista, muitos autores têm pretendido “reconhecer” na América Latina uma vocação inata, intrínseca, para o comunismo e socialismo (Ferreira, 1991). Tal oposição ideológica, tomada isoladamente, não pode ser suficiente para definir a identidade cultural de nenhum povo. Em primeiro lugar, porque os modelos marxistas (como qualquer construção teórica) são ideais e nem sempre encontram exata correspondência na realidade. Apresentam anomalias, portanto. Em segundo lugar, porque as duas ideologias postas em confronto pressupõem elementos de identificação que não são específicos nem para a América Latina nem para qualquer outro povo. Uma sociedade dizer-se capitalista, comunista, socialista não define sua identidade. Chineses, russos, coreanos do norte e alemães orientais eram todos povos que adotaram ideologia e regime produtivo comunista e, no entanto, ninguém se atreveria a dizer que esses povos têm a mesma identidade cultural. Inglaterra e Índia adotam o capitalismo e têm identidades culturais profundamente distintas. Em terceiro lugar, porque no caso específico da América Latina, as civilizações mais adiantadas (maia, asteca e inca) apresentavam traços extremamente contraditórios no que concerne à sua suposta vocação para o comunismo ou para o socialismo. Havia indicações muito fortes da criação de formas diferenciadas de uso dos meios de produção, tendentes à configuração de propriedade privada, ou algo parecido com esta; havia inequívoca organização social em classes, algumas vezes sendo impossível a ascensão social; havia evidências irrefutáveis de exploração de uma classe por outras. Em quarto lugar, porque as estruturas sociais e produtivas das civilizações latino-americanas ancestrais estavam intimamente relacionadas com o fenômeno religioso, que na verdade moldava e justificava aquelas estruturas. Querer interpretar tais estruturas a partir e exclusivamente do materialismo histórico marxista não é suficiente para compreender a complexidade cultural daqueles povos. Assim como não se pode entender e compreender a civilização egípcia[2] ou a muçulmana[3] sem recorrer ao elemento religioso e mítico, também no caso das civilizações latino-americanas pré-coloniais não se pode estudar seu sistema produtivo e sua estrutura social sem relacioná-los com o profundo sentimento religioso daqueles povos. Era a religião que dava coesão às estruturas sociais e produtivas das civilizações latino-americanas pré-coloniais. Tanto isto é verdade que, após a conquista da região pelos colonizadores europeus, bastou desarticular o sistema religioso para esfacelar os sistemas social e produtivo dos povos dominados (Romano, 1989). Em quinto lugar, se fosse verdade que a América Latina inteira teria uma vocação inata para adotar o modelo produtivo comunista ou socialista e ter estruturas sociais correspondentes àquele modelo, teria sido possível para Bolívar realizar a unificação latino-americana no início do século XIX, na medida em que se dispusesse a adotar aquelas estruturas. Bem ao contrário, estão em curso na América Latina diversos processos de integração. Todos esses processos integracionistas avançam com extrema lentidão e muita dificuldade. Isto revela que os elementos de identificação econômica e ideológica não são suficientes para configurar uma identidade cultural universal entre dois ou mais povos e, obviamente, não dão nenhuma identidade própria para a América Latina. Finalmente, em sexto lugar, não se pode desconsiderar que a história da América Latina pré-colonial é a história de lutas incessantes entre seus povos, em disputa por terras e por mão-de-obra obrigada a trabalhar em troca de subsistência e de vida muito humilde. Não se pode dizer que as estruturas sócio-econômicas adotadas, por exemplo, pelos Estados maia, asteca e inca eram boas e justas apenas porque tais estados, muitas vezes apenas em retórica, garantiam aos seus súditos alimentação, vestuário, aposentadoria, educação. O sistema tributário adotado nessas civilizações só poderia ser justificado ideologicamente mediante essas retribuições. Os camponeses, artesãos e soldados comuns viviam apenas com os recursos imprescindíveis para sua subsistência. Dentro do sistema não havia possibilidade alguma de acumularem excedentes para si mesmos. Não podiam enriquecer. Todo o excedente da produção era destinado ao Estado, cujas despesas eram crescentes e obrigavam-no a exigir cada vez mais tributos das classes inferiores. Além disso, a super expansão dos impérios (imperial overstretching) criava a necessidade contínua de obter mais terras a serem cultivadas, para que houvesse maior arrecadação tributária. Esse círculo vicioso provocava infindáveis lutas entre os povos latino-americanos pré-coloniais. Cada um desses povos queria, por um lado, expandir sua dominação ou hegemonia ou, por outro lado, livrar-se da dominação imposta por povo rival. Em qualquer dessas duas situações, não se alteravam as condições de vida dos camponeses e outras classes sociais baixas: continuavam a trabalhar em troca de subsistência; não tinham direito de reter qualquer riqueza material para si mesmos; pagavam tributos cada vez maiores ora a um senhor, ora a outro; eram mantidos afastados da alfabetização e de qualquer forma de educação que pudesse levá-los a questionar o sistema vigente.
Como se vê, não é razoável querer definir a identidade da América Latina recorrendo apenas à oposição ideológica entre capitalismo, comunismo ou socialismo. É claro que em alguma medida esses elementos também são importantes para, em conjunto com outros, compor a identidade cultural de um povo. É preciso, então, procurar identificar quais seriam os outros elementos culturais com base nos quais, adotado certo grau de generalização, seria possível configurar de modo mais estável uma identidade cultural da América Latina.
4. Geografia e identidade cultural na América Latina
A geografia pode não ser absolutamente determinante para a construção de identidades culturais, mas é certo que as influencia significativamente. No caso específico da América Latina, o meio geográfico influenciou de modo evidente a formação e a afirmação de culturas locais, que não foram totalmente eliminadas nem mesmo pelo poderio das altas civilizações maia, asteca e inca.
Na América Latina há quatro grandes regiões, ou subsistemas geográficos (Mello, 1996) que tiveram grande importância no desenvolvimento cultural: a) a América Central e Caribe; b) o subsistema amazônico; c) o subsistema andino; e d) o subsistema platino. Cada um desses subsistemas apresenta subdivisões, como é o caso do subsistema andino, que tem faixas paralelas à Cordilheira dos Andes formando costa litorânea, faixas desérticas ou semi-áridas, escarpas montanhosas e platôs andinos. Nesse subsistema desenvolveram-se as culturas dos povos andinos. Embora esses diferentes povos apresentes traços identitários comuns, cada um deles tem ainda hoje forte sentimento de sua cultura local e específica. Por exemplo, o trançados dos tecidos, suas cores e ocasiões de uso indicam a posição do indivíduo na hierarquia social, seu estado civil, etc. O subsistema amazônico domina grande parte da América Latina. Não se pode atribuir ao meio geográfico caráter determinante de uma cultura específica, porém é impossível negar que a floresta amazônica influencia em grande parte as formas de ocupação humana do território, os sistemas de produção e mesmo a organização social dos povos que nela habitam. No subsistema platino há desertos e geleiras e ali também se desenvolveram culturas específicas que resistem até os dias atuais.
O fato de o ser humano ter notável aptidão para se adaptar a ambientes geográficos variados evidencia que estes interferem na formação da identidade cultural de um povo. Esta diversidade de meios geográficos explica em parte a grande dificuldade com que avançam os processos de integração econômica, política e cultural na América Latina.
5. Eliminação da memória coletiva e cultural na América Latina pré-colonial
A reconstrução da memória coletiva e cultural na América Latina é especialmente difícil por causa da escassez de documentos históricos que revelem elementos culturais dos povos americanos antes da conquista da região pelos colonizadores europeus. Os espanhóis, em especial, ao conquistarem os povos maia, asteca e inca, destruíram templos, palácios, cidades, objetos rituais e de arte, documentos, registros administrativos e contábeis, desenhos, pinturas, painéis narrativos. A destruição desse acervo de documentos e cidades prejudica demais a tentativa de reconstruir de maneira fiel a cultura daquelas civilizações. No caso das culturas dos povos indígenas brasileiros, a situação foi um pouco diferente (Castro, 1992). O colonizador português encontrou indígenas que ainda estavam em fase cultural do período neolítico bem anterior às fases em que estavam os maias, astecas ou incas. Por isto, o índio brasileiro não chegou a construir cidades, palácios, templos e não tinha escrita nem administração de um Estado. Desse modo, a reconstituição do universo cultural do indígena brasileiro é mais fácil, porque muitas comunidades ainda hoje vivem como viviam seus antepassados antes da conlonização lusitana. Isto tem permitido aos antropólogos e sociólogos estudar e compreender o indígena brasileiro com relativa precisão (Lévy-Strauss, 1993). Em qualquer desses casos, a reconstituição do universo cultural dos povos latino-americanos depende, em primeiro lugar, da documentação arqueológica disponível, dos relatos orais colhidos junto aos seus descendentes, em comunidades mais ou menos preservadas, e em documentos históricos posteriores à colonização européia. Entre estes últimos, têm especial importância os documentos denominados “visitações”[4] que, com todas as ressalvas necessárias, dão uma idéia a respeito de vários aspectos culturais dos povos submetidos ao domínio europeu, tais como estrutura social, estrutura econômica, vestuário, hábitos alimentares, festividades, divindades adoradas, rituais religiosos, sistema administrativo, organização política, estado geral de saúde dos povos, tipo de habitação, organização familiar, relação entre população rural e urbana, etc.
6. Aspectos da cosmologia e da cultural das altas civilizações pré-colombianas
Toda e qualquer cultura dotada de um mínimo de organização interna constrói sistemas explicativos do mundo, criando modelos de conduta que devem ser seguidos e obedecidos pelos indivíduos e pelo grupo social. São esses sistemas e estruturas que dão sentido e coesão à sociedade. Em síntese, a produção e sistematização de uma cosmologia social é imprescindível para o funcionamento e para a reprodução mental e material de qualquer sociedade. No caso específico das chamadas “altas culturas” pré-coloniais centro e sul-americanas, e mesmo naquelas culturas americanas que não chegaram a alcançar esse estágio de organização cultural, as narrativas do imaginário social assumiram enorme importância. A sistematização cultural não era apenas uma forma de conhecimento abstrato. Ao contrário, as narrativas míticas e simbólicas faziam parte do cotidiano desses povos porque estavam intimamente associadas a todo o sistema produtivo e às estruturas e instituições sociais. Todos esses povos americanos viviam fundamentalmente da produção agrícola. Conhecer e prever os fenômenos da natureza era, portanto, absolutamente essencial para sua sobrevivência e reprodução. Tal necessidade os levou – pela prática e pela observação cuidadosa dos fatos da natureza – a constatar a correlação muito estreita entre os movimentos dos corpos celestes e a ordem e o ritmo dos fatos da natureza, em especial a sucessão das estações do ano, os períodos de chuva, o movimento das marés, etc. Com base nesses conhecimentos, foi possível ao homem americano adaptar suas forças produtivas às exigências da natureza. Nesse contexto, o trabalho de identificação, compreensão e organização dos movimentos dos corpos celestes e de sua relação com a produção agrícola tornou-se cada vez mais complexo e especializado. Essa atividade deu origem a uma classe sacerdotal, cada vez mais especializada em identificar e interpretar a vontade divina comunicada aos humanos por meio das estrelas, do Sol e da Lua. Para que essa missão dos sacerdotes fosse adequadamente realizada, centros cerimoniais foram construídos tanto para o culto às divindades como para permitir melhor observação do céu. Conseqüentemente, também se tornou necessário criar uma burocracia a serviço desses centros cerimoniais e, logo depois, com o crescimento dos centros urbanos, teve que surgir uma burocracia administrativa. Os movimentos migratórios dos povos americanos geraram conflitos: primeiro, entre grupos nômades e sedentários; depois, entre grupos sedentários que disputavam entre si terras férteis. Daí a necessidade da criação e manutenção de uma classe de guerreiros em cada sociedade. Os favores e a proteção das divindades eram, pois, preocupação constante na vida cotidiana dos povos americanos. Por isto, a força das narrativas simbólicas entre eles era muito significativa (Soustelle, 1997). A concepção cosmogênica de cada um desses povos era expressa e traduzida por meio não só das narrativas, mas da prática ritual observada em diversos momentos do dia. Em todas as civilizações americanas pré-coloniais havia estruturas sociais de classes bem nítidas. A base social era composta por grande número de camponeses que, com seu trabalho e por meio do pagamento dos tributos, sustentavam todas as demais classes improdutivas. Essas estruturas sociais eram profundamente justificadas e legitimadas por meio da religião e, sobretudo, por mecanismos que impediam os camponeses e as classes inferiores de acumularem qualquer tipo de poder: não recebiam educação que lhes permitisse criticar os fundamentos do sistema; não podiam acumular qualquer riqueza material; não tinham outras formas de se fazerem representar perante os poderes dominantes ou hegemônicos a não ser através das pessoas que as classes dominantes indicavam, as quais, por sua vez, tinham inequívoco interesse na manutenção do sistema. Cabe aqui observar que todas as civilizações americanas pré-coloniais baseavam-se preponderantemente na cultura do milho, que foi iniciada provavelmente pelos maias e depois se espalhou por toda a América Central e a América do Sul. Por isto, para tais civilizações, o milho tinha o mesmo significado simbólico e sagrado que têm o trigo e o pão para as civilizações cristãs, por exemplo.
Enfim, de modo geral, as altas civilizações pré-colombianas compartilhavam as mesmas concepções cosmogênicas; cultuavam mais ou menos as mesmas divindades (apesar das designações diferentes com que se referiam a estas); seguiam os mesmos princípios religiosos, adotavam o mesmo sistema produtivo e econômico; tinham estruturas sociais praticamente idênticas; com algumas especificidades, administravam seus territórios com base nos mesmos princípios e técnicas; apresentavam graus de desenvolvimento tecnológico muitíssimo semelhantes; cada uma delas acreditava-se escolhida pelos deuses para cumprir uma missão civilizatória dos povos que subjugavam. Mesmo com tantos traços identitários em comum, nenhuma dessas civilizações pré-colombianas consegui impor às demais uma única cultura homogênea e aceita por todos sua própria identidade cultural. O Império Inca, única civilização pré-colombiana que de modo apropriado merece a designação de império, jamais logrou impor totalmente sua cultura aos povos que dominou.
De fato, os incas conseguiram formar um Estado fortemente centralizado e bem administrado, dotado de aparelhamento político, militar, religioso e cultural organizado de modo a manter sob sua autoridade os povos submetidos. Além disto, foi também a única civilização americana que expandiu seu território a ponto de abranger, pelo menos em parte, os três subsistemas geopolíticos que caracterizam a América do Sul: o subsistema amazônico, o subsistema andino e o subsistema platino. O Império inca abrangeu grande parte da zona costeira do Oceano Pacífico, da Cordilheira dos Andes e da floresta amazônica (na porção não brasileira), absorvendo significativas porções dos territórios hoje ocupados pela Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Argentina e Chile. Em cada um desses subsistemas geopolíticos há subdivisões internas, decorrentes de alterações no meio geográfico, às vezes drásticas. Por exemplo, na parte peruana do Império inca, a civilização se espalhou pelo litoral costeiro do Oceano Pacífico, escalou a Cordilheira dos Andes e penetrou em parte da floresta amazônica. Mas a tendência do Império inca foi a de acompanhar o trajeto da Cordilheira dos Andes, ao longo da qual a geografia dispõe o ambiente em faixas litorânea (às vezes entremeada de desertos ou zonas áridas), montanhosa e de floresta tropical. Essas faixas são freqüentemente cortadas por vales transversais. As características geográficas encontradas influenciaram a formação de povoados relativamente isolados uns dos outros e, mais tarde, comunidades com traços nítidos de cidades-estado, dotadas de forte sentimento de identidade local. Por isso, é realmente admirável o projeto de unificação imperial levado a cabo pelos incas, que conseguiram ser criativos para, por um lado, impor sua dominação a essas comunidades locais e, por outro lado, assegurar que tais comunidades não perdessem seu próprio senso de identidade e, assim, aceitassem de modo relativamente pacífico e duradouro o domínio inca. A herança cultural e administrativa que os incas receberam dos huaris, tihuanacos e mochicas certamente lhes facilitou o projeto imperial. Esse fenômeno não foi possível nas civilizações maia e asteca.
A célula fundamental do Império Inca era formada pelas comunidades camponesas, denominadas ayllus (Favre, 1985). Nessas comunidades a coesão social era determinada por vínculos sanguíneos, dos quais resultavam diferentes graus de parentesco, e também pela crença dos camponeses de que todos eles descendiam dos mesmos ancestrais míticos. Assim, a justificativa ideológica para a dominação inca se baseava exatamente no parentesco de antepassados míticos divinos, cuja vontade ancestral se materializou na formação de um grande império. Nessas condições, os incas criaram e mantiveram um império centralizado que absorvia milhões de pessoas, impuseram uma língua e uma religião comuns a esses povos (mas tolerando os línguas maternas e os cultos locais). Os métodos dos incas para realizar esse grandioso projeto foram variados, mas envolveram formas generalizadas de violência. Uma das formas mais freqüentes de imposição da dominação, chamada mitamáes, consistia em dividir os povos indóceis e deslocá-los de suas regiões de origem para fixá-los em locais distantes. Com esse procedimento, os incas, rompiam os laços de parentesco, de religião e de identidade local que uniam os rebeldes, tornando muito mais eficaz o sistema de dominação. Outra técnica freqüente de dominação usada pelos incas era a manutenção de reféns, inclusive múmias dos nobres e sacerdotes dos povos dominados. Capturavam as múmias, os líderes e seus familiares de uma comunidade e os mantinham como reféns na capital do Império. Isto assegurava a colaboração da comunidade dominada, temerosa de que seus antepassados mumificados, líderes e sacerdotes não mais retornassem, o que significava, na prática, interromper o diálogo entre os homens comuns e os deuses, pois esse diálogo era intermediado pelos entes mumificados, pelos líderes e sacerdotes de cada comunidade. Uma variação dessa técnica era manter como reféns dos incas apenas os filhos dos nobres da comunidade dominada. Esses reféns seriam educados em escolas incas, a fim assimilarem a cultura inca e reproduzi-la posteriormente nas suas comunidades de origem, para as quais retornavam como novos líderes ou novos sacerdotes (Peragalli, 1994). Acrescente-se a tudo isto o fato de que os incas criaram inúmeras vias de comunicação e estradas que ligavam todas as regiões do Império. Essas vias e estradas eram percorridas rapidamente por mensageiros (chasquis), que tornavam muito eficiente o sistema de comunicação e de troca de informações entre o governo central e as demais regiões dominadas pelos incas.
Para obter a máxima eficiência da estrutura produtiva de seu Império, os incas adotaram duas medidas muito importantes: em primeiro lugar, permitiram que as comunidades locais mantivessem seus cultos religiosos e suas próprias divindades, mas incorporaram naquelas comunidades o culto às divindades incas; em segundo lugar, os incas mantiveram a autoridade e o prestígio do chefe de cada ayllu, o qual, por sua vez, em troca da preservação de seu status, devia fidelidade ao Estado Inca. Formou-se, portanto, uma complexa e delicada rede de alianças entre os líderes de cada ayllu e o Estado Inca: este, em geral, não abolia os privilégios desses líderes locais, mas exigia deles que trabalhassem em favor da difusão e realização dos interesses incas perante a comunidade local. Por conseguinte, no plano ideológico, o pagamento de tributos pela comunidade ao Estado Inca aparecia como legítimo, porque intermediado pelo chefe do ayllu e porque associado a um sistema de reciprocidade garantido pelos incas.
Assim como no Império Inca, também nas civilizações maia e asteca a expansão baseou-se, num primeiro momento, no poderio militar. Mas a manutenção e expansão dessas civilizações realmente dependeu dos mecanismos ideológicos e culturais de controle dos povos submetidos. O sistema de dominação envolvia mecanismos de cooptação dos líderes locais, bem como mecanismos de persuasão da comunidade para aceitar consensualmente a hegemonia dos dominadores e pagar os tributos devidos sem grande resistência. Portanto, o hard power era substituído ou apoiado pelo soft power, no sentido que Joseph Nye usa esses termos atualmente (Nye, 2002).
Um último aspecto cultural comum entre os incas, astecas e maias e que merece registro é o caráter autárquico de suas economias. Todas essas civilizações apoiavam-se num sistema econômico fechado ao comércio exterior. Eram civilizações com economia predominantemente agrícola. Havia pouca atividade comercial entre os diferentes povos. Cada comunidade tendia a produzir tudo o que precisava, de tal modo que não havia condições favoráveis ao comércio em larga escala. Além disso, como foi comentado, os camponeses não acumulavam excedentes econômicos para si, razão pela qual os lucros comerciais tendiam a ser pequenos. Apenas os maias superaram em parte essas deficiências e constituíram uma verdadeira classe de comerciantes.
Considerações finais
Não têm fundamento razoável os discursos acadêmicos e políticos atualmente correntes, no sentido de que a América Latina estaria sendo vítima da supressão de sua identidade cultural em razão da imposição da cultura de outros povos dominantes da sociedade internacional. Esse tipo de homogeneização cultural jamais aconteceu na história da humanidade e nem tem possibilidade de acontecer especificamente na América Latina. É oportuno retomar as indagações fundamentais que motivaram este estudo:
Existe uma identidade cultural genuinamente latino-americana? Se essa identidade cultural existir, quais seriam os elementos gerais ou particulares de identificação cultural que a caracterizariam? Como os elementos gerais de identificação da cultura ocidental dominante ou hegemônica (européia e norte-americana) coexistiriam com os elementos de identidade cultural da América Latina?
Neste trabalho foi dito que o desenvolvimento cultural da América Latina ocorreu em três principais fases: a do povoamento das Américas; a de formação e apogeu das altas culturas pré-colombianas; e a fase de formação da cultura colonial na região e de seus principais desdobramentos. As duas primeiras fases apresentaram elementos culturais desenvolvidos pelos povos americanos de modo autóctone, pois estavam em estado de isolamento em relação a outras civilizações. No entanto, as estruturas econômicas, sociais, políticas desses povos revelam elementos culturais comuns a outras civilizações e povos não americanos, indicando importante influência de arquétipos culturais também na América Latina. Apesar disto, os povos e civilizações pré-coloniais imprimiram suas marcas nessas estruturas, conciliando ao longo de muitos séculos os elementos culturais arquetípicos com os elementos das culturas locais. Na terceira fase, isto é, quando elementos da cultura européia foram introduzidos rapidamente no universo cultural dos povos indígenas latino-americanos, ocorreram drásticos choques culturais, em que a dominação ou hegemonia cultural da Europa prevaleceu. Todavia, subsistiram alguns fortes elementos culturais indígenas das fases anteriores à colonização.
A análise desenvolvida evidenciou que o problema de choques culturais na América Latina é verdadeiramente ancestral. Desde que as Américas começaram a ser povoadas, grupos humanos persistentemente entram em confrontos uns com os outros. Quaisquer que sejam os motivos desses infindáveis confrontos, em todos eles há uma constante: uma cultura pretende ter hegemonia sobre a cultura rival e ambas lutam buscando o reconhecimento de seu valor e querem se autoafirmar perante culturas rivais. Portanto, falar em identidade cultural latino-americana obriga o pesquisador, em maior ou menor grau, a revolver esse gigantesco mosaico cultural. Minha percepção é de que a cultura na América Latina (claro que noutras partes do mundo também) se assemelha a uma rocha sedimentar. Há camadas culturais muito antigas, às quais se sobrepõem camadas culturais mais recentes, de modo que as vejo “empilhadas” conforme sua ordem de antiguidade e da dominação ou hegemonia que cada qual conseguiu ter em certo momento histórico. Mas em alguns pontos essa rocha sedimentar está partida e, então, é possível enxergar perfeitamente os restos ou “cacos” de culturas antigas que afloram e põem-se em contato com as camadas culturais mais atuais. Ao revolver esse “entulho”, ficamos procurando onde encaixar o “caco” perdido, conforme o colorido dos seus traços sedimentares. Ao realizar essa tentativa de encaixar a peça cultural perdida, é possível observar que há muitos pedaços da rocha sedimentar cultural em que o caco poderia encontrar seu lugar. A rocha cultural, enfim, tem uma composição mais ou menos uniforme, ainda que suas diferentes camadas tenham sido formadas com materiais distintos. Mas é exatamente a combinação de todos esses materiais que dá coesão, consistência, solidez a essa rocha cultural. Mesmo com uma fratura aqui ou ali, o caco cultural pode ser reintegrado à rocha sedimentar cultural, porque é parte dela.
Por esses motivos, não se pode falar de uma identidade da ou na América Latina. A região é um mosaico multidimensional e multicolorido de culturas que se articulam, que têm muitos traços identitários comuns, mas que não abdicam de seus fortes sentimentos de pertencimento a culturas locais bem caracterizadas. Como outras partes do mundo, também a América Latina é multicultural e plurinacional. É de fato impossível pretender a homogneização cultural latino-americana. Os processos de integração que estão em curso na América Latina precisarão contemplar o multiculturalismo e a plurinacionalidade da região. Os processos de mediação simbólica, cultural, na América Latina se desenvolvem desde tempos ancestrais. Continuarão a ocorrer na contemporaneidade, obviamente com maior complexidade e velocidades. No entanto, as as culturas locais dispõem de mecanismos internos mais ou menos eficientes para que não se desintegrem totalmente. Isto faz parte do processo dialético de autoafirmação cultural quando ocorrem os choques entre culturas locais e cultura global. O processo global de integração cultural, que tende a homogeneizar culturas, é o mesmo que, paradoxalmente, acentua as diferenças culturais. Trata-se de processo dialético que envolve a alteridade global-local para construir, reconstruir, transformar, diluir ou miscigenar a identidade cultural do indivíduo e da própria sociedade, hoje de escala planetária (Seixas, 2008).
Mesmo que esteja em curso um amplo e profundo processo de choques culturais provocados pela globalização (Huntington, 1997), esses sedimentos culturais irão se acomodar numa nova camada da grande rocha cultural. Alguns elementos da cultura dominante ou hegemônica vão prevalecer e ficar em sedimentos mais aparentes; alguns elementos das culturas não hegemônicas também vão prevalecer e ocupar o seu lugar na nova camada sedimentar da rocha cultural; finalmente, noutros casos, os materiais orgânicos de que são formadas as culturas dominantes ou hegemônicas e as não hegemônicas vão se misturar e, assim, formarão uma nova substância que se acomodará no seu espaço para formar a atual camada da rocha sedimentar cultural. E, tendo eu aprendido com os maias, com os astecas, com os incas e com os índios brasileiros, estou consciente de que o nosso ciclo também vai terminar. Depois dele, uma nova camada cultural será depositada na rocha que sustenta todas as civilizações …
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[1] É conveniente registrar aqui a conceituação desses elementos. Os elementos arquetípicos são compostos por fatores biogenéticos, pelos mitos e pelas narrativas que fixam a origem de uma certa sociedade. Esses fatores, por serem universais, estão presentes no inconsciente coletivo e freqüentemente emergem nas diversas manifestações da vida cotidiana. Os elementos culturais híbridos se originam das relações culturais intertextuais, dos contatos entre culturas diferentes, dos processos sincréticos de elementos culturais de povos distintos, de valores, ritos, símbolos que provêm de universos culturais diferentes e que são reorganizados num cosmos no âmbito de uma cultura específica. Finalmente, os elementos dominantes, que são os elementos selecionados pelos poderes hegemônicos no contexto de certa cultura, a partir de critérios que correspondam aos interesses daqueles poderes, e, a seguir, são disseminados para serem reabsorvidos pela sociedade com significados simbólicos também hegemônicos. É nesses sentidos, portanto, que neste trabalho serão feitas referências aos elementos culturais arquetípicos, híbridos e dominantes.
[2] MELLA, Federico A. Arborio. O Egito dos faraós: história, civilização, cultura. São Paulo: Hemus, 1994.
[3] DEMANT, Peter. O mundo muçulmano. São Paulo: Contexto, 2004.
[4] As “visitações” consistiam em relatórios que os colonizadores faziam a respeito das informações que colhiam nas comunidades dos povos dominados.